Descer um trecho vertical em águas bravas foi durante muito tempo um desafio quase impossível para os montanhistas, até alguém perguntar, por que não? Assim deve ter nascido o canionismo, com um conjunto de técnicas que permite a realização dessas descidas esportivamente, em um ambiente de risco controlado.
A opção de saltar para a água é fascinante para muitos canionistas, embora haja sempre a opção de utilizar técnicas de rapel ou desescalada, como procedimento obrigatório, até porque, alguém tem que descer antes para verificar a segurança do local de imersão.
O prazer de saltar envolve riscos adicionais e demanda repetição para o domínio adequado da técnica. Seria indicado que os praticantes treinassem, porém fica difícil quando não se tem parques próprios para a prática do canionismo no Brasil. Resta a repetição nas eventuais descidas de cânion, e somente naqueles em que essa oportunidade for viável.
Um dos riscos importantes é o choque do saltador no fundo d?agua, sendo comum a consideração da premissa de que quanto mais alto o voo, mais profunda será a imersão. Será isso mesmo? Quem salta de uma altura de três metros e toca o fundo na fase de imersão, pode saltar no mesmo local, partindo de uma altura de dez metros, ou se colocará em risco pela possibilidade de tocar um fundo com mais força?
Recorremos ao professor e físico Fernando Lang da Silveira, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sabendo que ele calculou a profundidade de imersão do canionista brasileiro Laso Schaller, após saltar de uma plataforma há 58 metros de altura. Segundo cálculos estimativos, nesse salto extremo o esportista chegou à lâmina d?agua com a velocidade de 123 km/h e imergiu cerca de 4 m, a contar dos pés. (https://www.youtube.com/watch?v=JAKLBJWKmQc).
Solicitamos então ao professor que esclarecesse a relação entre a altura do voo e a profundidade de imersão após o salto. Em resposta publicada no endereço https://www.if.ufrgs.br/novocref/?contact-pergunta=frenagem-em-meio-liquido-a-imersao-do-saltador-parece-quase-nao-depender-da-altura-de-queda, o professor Fernando afirmou que ?o estancamento do projétil humano é quase independente da altura do salto?. Embora isso possa ser tranquilizador em relação ao impacto no fundo após a imersão, por outro lado, ?isso pode ter uma consequência terrível para saltadores de grande altura: a força de arrasto pode produzir lesões sérias no saltador?.
Na questão mencionada acima, a velocidade de entrada na água de um salto a partir de três metros é aproximadamente 27,6 km/h e a partir de dez metros, 50,4 km/h. Significa quase o dobro da velocidade de entrada em choque com uma força contrária, impedindo uma penetração mais profunda para compensar o impacto. Em outras palavras, no salto a partir de dez metros, o(a) canionista provavelmente tocará o fundo de forma pouco diferente em relação ao salto anterior (três metros), mas se colocará em maior risco pela possibilidade de um choque inadequado.
O que chama a atenção na evidência científica é que a cada metro acima, o risco do impacto na água cresce exponencialmente, como se o líquido ficasse gradativamente mais sólido. Em alguns casos, o forte impacto dos pés pode resultar na flexão involuntária das pernas, ampliando a área corporal de contato e expondo a coluna vertebral ao choque. Nessas situações, contrair os glúteos forçando a junção das pernas pode assegurar a manutenção da postura ereta, indicada para a melhor penetração na água. A vestimenta de neoprene, capacete e sapatos próprios também ajuda nessa hora, mas é bom lembrar que o rosto fica desprotegido, especialmente os olhos, e que há impactos insuportáveis para essas áreas frágeis; em alguns casos, o saltador abaixa a cabeça no início do voo para olhar onde vai cair, provocando o giro transversal do corpo e o choque do rosto na água.
Aqui vão algumas dicas: a posição correta de entrada na água é exatamente na vertical, pernas juntas (glúteos contraídos) e braços colados ao corpo; durante a imersão, abrir os braços ao lado e as pernas à frente pode ajudar na frenagem; tocar o fundo com as pernas flexionadas e afastadas no sentido frente/trás também pode ajudar no amortecimento, quando necessário; inspirar durante o voo e expirar na fase de imersão ajuda no bloqueio da entrada de água pelo nariz; alguns saltadores fazem esse bloqueio apertando o nariz com uma das mãos, mas é preciso que o cotovelo se mantenha junto ao corpo.
A sequência de um bom salto seria a seguinte: (1) verificar o local preliminarmente (incluindo a parte submersa - ausência de galhos, rochas etc); (2) posicionar-se em solo firme e não escorregadio; (3) levar uma das pernas à frente e saltar com a cabeça no prolongamento do corpo; (4) voar com as pernas juntas, glúteos contraídos e braços próximo ao corpo; (5) submergir mantendo o corpo na posição vertical, evitando a entrada de água pelo nariz; (6) voltar à tona para respirar; (7) comunicar a equipe que está bem.
É importante lembrar que voltar à tona não é necessariamente um sinal de que deu tudo certo. Nem mesmo quando o canionista olha para os colegas, quer dizer que está bem. Uma pequena hipoxia, provocada pela entrada de água nas vias respiratórias baixas, pode impedir momentaneamente a respiração. Nessa hora, o canionista não fala e não grita. É preciso desenvolver indicadores que demonstrem que o saltador concluiu adequadamente o salto para que se decida em poucos segundos pelo resgate ou não. Um tipo de sinal muito comum é o toque no capacete com o punho fechado, mas isso precisa ser combinado em equipe.
Finalmente, cabe afirmar que na dúvida, o melhor é descer desescalando ou em rapel. Nunca é demais ser conservador nessas horas.
Carlos Roberto Alcântara de Rezende
Professor de Educação Física
Mestre e Doutor em Administração
Praticante e pesquisador sobre montanhismo